Em todo o País, as pessoas com deficiência enfrentam inúmeras dificuldades no dia-a-dia para a sua sobrevivência, assim como a sua emancipação na luta pela igualdade, respeito e dignidade. Nesta luta, só os mais resilientes vencem os inúmeros desafios que a sociedade impõe às famílias e pessoas com deficiência, afectando milhares de cidadãos que se encontram a clamarem por socorro.

Texto e Foto: Simão Hossi | Repórter | Membro fundador da UYELE

A luta dos grupos sociais, organizações não-governamentais que trabalham na defesa dos direitos humanos das pessoas com deficiência em Angola, parte essencialmente dos seus direitos humanos violados, seja o direito ao emprego, habitação, acessibilidade, formação académica e profissional e o uso normal dos transportes públicos com o sistema de rampas.

Dentre todos estes desafios que as pessoas com deficiência, pessoas com albinismo e outros grupos sociais considerados politicamente como sendo minoritários no nosso País, encontramos a história de Tito Almeida Augusto, de 35 anos de idade, que perdeu a visão aos três anos de idade pelos estilhaços de bombas que atingiram os dois olhos, isto no intervalo dos acordos de paz de 1994, no município de Bula Atumba, província do Bengo, terra onde nasceu. No fatídico dia, o seu pai foi atingido mortalmente.

Tito Almeida convive com a deficiência desde tenra idade. Aprendeu a enfrentar o mundo, que ele não consegue enxergar, para melhor compreender as razões de tanta luta que teve de travar para vencer e conquistar o que conseguiu ter aos seus 35 anos de idade. Licenciou-se em ensino de História pela Escola Superior Pedagógica do Bengo, tendo sido distinguido pela instituição com o diploma de “Estudante Resiliente” por ter concluído a formação mesmo com vários desafios que teve de enfrentar. Actualmente trabalha no gabinete de políticas de família, afecto ao departamento provincial da Accão Social, Família e Promoção da Mulher no Bengo, colocado por intermédio do concurso público promovida pelo respectivo governo provincial.

A problemática das acessibilidades e políticas públicas para as pessoas com deficiência é a maior preocupação de Tito Almeida. Segundo ele, os governos provincial e central deverão trabalhar imenso para cumprirem e fazer cumprir a lei 10/16, de 27 de Julho (lei das acessibilidades) e a convenção das pessoas com deficiência, bem como as recomendações do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência na revisão do estado da implementação dos direitos das pessoas com deficiência que teve lugar no dia 8 de Março de 2023.

Tito referiu que as instituições como governo provincial, administração municipal e outras instituições públicas e privadas na sua província não são inclusivas às pessoas com deficiência.

“Muitas destas instituições não têm rampas, não são acessíveis às pessoas com deficiência que se locomovem com cadeiras de rodas, à semelhança do resto do país e nem têm elevadores”, afirmou.

Enfatizou que a inexistência destes recursos básicos para melhorar a vida das pessoas com deficiência constitui uma violação à lei das acessibilidades e da convenção das pessoas com deficiência. Acredita também que a implementação da lei 10/16, de 27 de Julho, esteja longe de ser cumprida pelas instituições públicas e privadas da sua província e País em geral.

O nosso entrevistado reclamou também da inexistência de um departamento ou mesmo secção provincial que prime pela inclusão. No seu entender, a inexistência deste departamento esvazia a acção do director nacional para inclusão, porque, acrescentou, “a existência deste departamento tratará os dados de forma mais realística”. No entender de Tito Almeida, as políticas de inclusão que o governo de Angola tem de desenvolver precisam de um gabinete provincial para se dedicar exclusivamente a estes pontos por causa dos seus enormes desafios.

“Para mim, será mais útil porque acompanharia melhor as questões de inclusão com maior precisão. Seria uma especialização e uma área própria e quando se pronunciasse sobre a inclusão, falaria com dados próprios”, afirmou.

A presença das pessoas com deficiência nos centros de decisões é vista como o ponto chave. No seu entender, as pessoas com deficiência estão presentes somente nos sectores muito baixos da sociedade onde não tomam decisões nenhuma. “Não se pode tomar decisões dos problemas que afectam as pessoas com deficiência sem as suas participações e tomada de posição”, frisou.

Tito Almeida teve que recorrer a um adagio muito comum no seio das pessoas com deficiência que dá conta que “Nada por nós sem nós”, porque para ele é fundamental que as pessoas com deficiência estejam nas discussões dos seus próprios problemas.

Chamou a atenção às famílias que têm no seu seio pessoa com deficiência para que não sejam os primeiros a discriminarem as mesmas. Apelou ainda que se aposte na formação destes para que vençam as dificuldades, tal como ele conseguiu alcançar os seus objectivos. Para ele, o governo tem uma grande responsabilidade em poder implementar as políticas de inclusão das pessoas com deficiência e dar assistência às pessoas com maior vulnerabilidade. Destacou e agradeceu as pessoas singulares que o apoiaram.

“É possível atingir os objectivos e evitar o nível de mendicidade e vulnerabilidade das pessoas com deficiência em Angola”, concluiu.

De lembrar que o governo de Angola participou, a 8 de Março de 2023, no Comité dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência, na sede das Nações Unidas, em Genebra, Suíça, onde apresentou o nível de implementação da respectiva convenção. A delegação angolana foi encabeçada por Alcina Cunha Kindanda, secretária de Estado da Família e Promoção da Mulher, que apresentou dados estatísticos das pessoas com deficiência em Angola, que regista 656.258 pessoas com deficiência, representando 2,5 por centro da população em todo o País. Deste número, 50 por cento vivem nas zonas urbanas e a deficiência física é a que mais afectam os cidadãos. 56 por cento são homens. Estes dados estatísticos poderão ser actualizados com o novo censo geral da população que foi realizado neste ano.

A secretária de Estado da Família e Promoção da Mulher mencionou também em Genebra a importância da Lei 10/16, de 27 de Julho, como sendo a lei que vai trazer comodidade às pessoas com deficiência no que diz respeito as acessibilidades. Kindanda terá garantido ao Comité da ONU que, quanto à acessibilidade, “todas as infraestruturas de referência em Angola estão projectadas tendo em conta as condições das pessoas com deficiência, desde as instalações de rampas de acesso, balneários adaptados, elevadores e áreas próprias para cadeirantes”, afirmação contestada pelas pessoas com deficiência que no dia-a-dia se deparam com barreiras arquitectónicos em instituições públicas como tribunais, parlamento, governos provinciais e municipais, escolas e outras instituições públicas e privadas.

O elevado número de pessoas com deficiência é apontado pelas causas dos conflitos armados que assolaram o País e por ainda existir muitas minas terrestres em todo território nacional, seguido da sinistralidade rodoviária que tem crescido de forma alarmante.