A comunidade de Camizungo, no município do Icolo e Bengo, dista a pouco mais de 50 quilómetros da cidade de Luanda, capital de Angola. Segundo o coordenador da comissão de moradores da aldeia, Pedro Fortaleza, Camizungo estava localizada a 1 quilómetro de onde estão a ser construídas casas de modelo definitivo, no âmbito de um projecto desenvolvido pela Organização Não-Governamental Atos.

Texto e Fotografias de Simão Hossi | Parceria com Jornal Folha de São Paulo

A decisão da mudança foi tomada no ano de 2012 quando ocorreu um acidente na linha férrea da zona. Naquele ano, um comboio ceifou a vida de uma criança que brincava nos trilhos do caminho de ferro que liga a capital Luanda a província de Malanje. A comissão de moradores movimentou-se junto às instituições administrativas para o começo do processo de transferência da comunidade, pois esta continuava em risco pela proximidade com a linha férrea. Dois anos depois, a mudança se efectivou para a que consideram zona mais segura.

Mas foi em 2017 que a história da comunidade rural e composta maioritariamente por camponeses começou a ser reescrita com a visita do casal brasileiro Itamar e Fabiana Vieira, que visitaram a comunidade com o objectivo de oferecer a sua solidariedade e assistência social, material e espiritual aos aldeões da localidade de Luanda carente de quase tudo.

Pedro Fortaleza contou à nossa equipa de reportagem que a ajuda inicial do casal seria apenas para a promoção de uma mandala (horta ecológica) para ajudar a comunidade a suprir a carência alimentar existente na altura da mudança para aquela localidade, visto que tinham dificuldades na produção agrícola.

Itamar e Fabiana Vieira se apresentam como missionários em Angola. Em 2015 fundaram a ONG Atos, registada em Diário da República de 12 de Janeiro. Depois da horta ecológica, decidiram apoiar a comunidade com a construção de casas económicas. Até ao momento, contabilizamos no local a existência de 42 casas erguidas, confirmadas também pelo coordenador da comissão de moradores. Em Camizungo foi construído também um posto de saúde, uma escola, sala de corte e costura, cozinha comunitária, um campo de futebol e um centro de formação profissional.

O sistema de fornecimento de água à comunidade foi instalado por uma igreja sul-coreana que visitou a comunidade um ano depois da ONG Atos. O apoio consistiu em instalar um chafariz que abastece a população. “A construção do furo de água foi mal feita a ponto de deixar a distribuição de água de forma deficiente nos últimos tempos e os equipamentos estão a estragar”, referiu o coordenador. Nesta altura, a água só é obtida pelos moradores com o auxílio de uma moto-bomba gerido pela ONG Atos.

A nossa equipa de reportagem assistiu enquanto vários homens e mulheres acarretavam água para as suas casas no chafariz, pois não existe água canalizada nas casas construídas pelo projecto.

Com a autorização do coordenador, visitamos o interior de três das 42 casas, uma das quais é usada como a sede da comissão de moradores, enquanto as outras estão ocupadas por duas famílias, nomeadamente a família de Morais Yaconda e a de Margarida João Lopez, ambos com mais de 60 anos de idade. Todas as casas têm a mesma tipologia: são compostas por dois quartos, sala de estar e de jantar, cozinha e WC. No todo, a casa ocupa um espaço de 50 m2. A casa é entregue a cada família contendo um sofá, cama de casal e cama beliche nos quartos, um frigorífico e fogão com respectiva garrafa de gás.

As primeiras quatro casas foram construídas em 2020, sendo uma a casa modelo. Pedro Fortaleza recordou que a entrega das chaves foi feita por Pablo Marçal, candidato a governador do Estado do São Paulo nas últimas eleições brasileiras. Fazia-se acompanhar pela direcção da ONG Atos e outras pessoas que estavam com o candidato. O coordenador frisou que apenas sabia que Pablo Marçal era um empresário e doador do projecto, não político.

Os moradores até ao momento referidos consideram Pablo Marçal um pai e anjo enviado por Deus para os salvar porque, disseram, foi ele quem ajudou a melhorar as suas vidas com a mudança de uma casa de lata para outra de construção definitiva.

Mas não há apenas gratidão em Camizungo. Membros das comunidades que ainda não beneficiaram de residências têm protestado contra a utilização das suas terras pela ONG Atos, que as incorporou no espaço do projecto sem o consentimento deles, dentre os quais, a maioria sobrevive da agricultura de subsistência. Na tentativa de compensar uma das descontentes, Pedro Fortaleza conta que a ONG Atos atribuiu rapidamente casa a uma camponesa que detinha 50×50 m2 de terra.

Estes conflitos de terras têm sido acompanhados ao pormenor pela comissão de moradores para que não prejudique a continuidade do projecto.

A direcção da ONG Atos não aceitou dar entrevista à nossa equipa de reportagem alegando que teríamos de fazer um pedido por escrito, mediante o preenchimento de um formulário. Após a autorização de um responsável máximo da ONG, seríamos contactados no dia seguinte, o que não aconteceu até ao fecho desta reportagem.

Entretanto, Pedro Fortaleza não tem dúvidas de que o candidato a prefeito no Estado de São Paulo não é o mentor do projecto, mas um doador e a participante no processo de mobilização de fundos que ajudaram a erguer parte das 42 casas existentes. O coordenador desconhece o total da doação financeira feita por Pablo Marçal.