O “Projecto habitacional do Zango” foi lançado em 2003 e no ano seguinte ocorreu a entrega simbólica das primeiras casas de modelo económico aos beneficiários, estes provenientes das zonas de risco do bairro Boavista, no então município da Ingombota. Posteriormente, foram construídos dois projectos classificados como centralidades habitacionais, nomeadamente as centralidades Vida Pacífica, à entrada do Zango, que marca o início do novo município, e o Zango 8000, o que fazia de Viana o único município que detinha duas centralidades.
Projectada para acolher os ex-moradores dos bairros Boavista, Chicala, Ilha de Luanda, Samba e outras zonas de Luanda consideradas de risco, onde enfrentavam muitos problemas como consequências das chuvas, como destruição das residências, inundações e mortes de pessoas, as construções dos Zangos I, II, III, IV e V somam 15.428 casas erguidas com fundos públicos, tendo a centralidade Vida Pacífica 2.464 apartamentos e a centralidade do Zango 8000 tem 7.964 apartamentos, segundo dados publicados pelo “Economia & Mercado” na edição de 3 de Abril de 2020, mais as cinco mil casas económicas nos Zango I, II, III e IV que serviram de alojamento para as famílias realojadas dos bairros marginalizados no centro da cidade de Luanda.
A construção das casas ganhou o peso jurídico com a autorização do despacho presidencial n.°47/14, de 2 de Maio. O despacho autorizou o ministério das Finanças a disponibilizar 1.561.453.170.00 USD (um bilião, quinhentos e sessenta e um milhões, quatrocentos e cinquenta e três mil, cento e setenta dólares norte americanos) da reserva financeira estratégica petrolífera para infra-estruturas de base para a execução financeira do contrato, isto como parte do reforço de uma iniciativa emergencial de política habitacional do governo de Luanda e a requalificação da capital.
O jornal “Económica & Mercado” adiantou ainda que os dados de cinco anos atrás da administração distrital do Zango davam conta que cerca de 18 mil famílias continuavam a viver em bairros de lata, sendo que pelo menos 10 mil estavam em situação precária e de exclusão social há mais de 10 anos.
Apesar de ser um projecto planeado para os cidadãos desfavorecidos vindos de bairros marginalizados, actualmente tornou-se em uma zona de interesse para muitas pessoas que querem adquirir uma casa própria por intermédio das casas do projecto ou por compra directa de terrenos.
Passados dez anos, o Zango tornou-se não apenas ponto de convergência de antigos moradores de vários bairros de Luanda, mas também zona de insegurança. Os serviços básicos não acompanharam o número crescente de habitantes, deixando de ter capacidade para atender as necessidades dos moradores.
A evolução para município e passagem à província de Icolo e Bengo poderá deixar ainda mais estagnado no tempo e no espaço do que quando pertenceu ao município de Viana e à província de Luanda durante mais de 20 anos, referiu o politólogo e munícipe de Viana Gilson Salussi, que falou à nossa reportagem em entrevista.
O politólogo apontou também problemas na rede sanitária e défice de instituições de ensino médio e superior.
“É preciso pensar nos marcos da felicidade dos cidadãos, [que] está vinculada ao local, ao espaço, à cidade em que vivem e nasceram. As pessoas não são felizes no céu, as pessoas não serão felizes no paraíso, as pessoas são, devem ser e deveriam ser felizes ali onde vivem, ali onde nasceram, ali onde crescem, ali onde exercem as suas actividades quer profissionais, quer pessoais, quer artísticas. É importante que no local onde os cidadãos vivem sejam criadas as mínimas condições possíveis para que estes consigam com os seus próprios pés e capacidades imaginativas alcançarem a felicidade”, adiantou.
Os problemas de falta de água potável, energia eléctrica, iluminação pública, saneamento básico, segurança e vias alternativas de acesso são as maiores preocupações dos moradores do Zango. Salussi mostrou-se indignado com o facto do bairro onde viveu por alguns anos ter somente uma via de acesso, isto é, uma única entrada e saída, partindo da Vila de Viana, passando defronte ao cemitério municipal até ao Zango, e liga à comuna de Calumbu. Esta via encontra-se em estado avançado de degradação, e prevê-se que, com a existência do novo aeroporto internacional Dr. António Agostinho Neto, localizado na recém promovida a província de Icolo e Bengo, as autoridades administrativas venham construir vias secundárias e terciárias para facilitar a mobilidade.
Os moradores reclamam ainda por serviços financeiros e unidades comerciais de média e grandes superfícies. É o caso de Isaías Kamwenho, de 56 anos de idade, morador do bairro Walale há mais de cinco anos, para quem a localidade tem as características para actividades de agricultura, “mas de alguns anos para cá o bairro tornou-se esconderijo de delinquentes. A todos os instantes somos visitados por policias que procuram criminosos”, frisou.
Para este morador, o bairro actualmente é muito inseguro, quando há alguns anos era tranquilo, com uma população maioritariamente composta por camponeses que construíram, por conta própria e muito esforço, as suas casas de chapas e outras de alvenaria. Falta água, energia elétrica e saneamento básico, como em outras partes do Zango. Isaías sobrevivia fazendo trabalho de controlar construções de outras pessoas que têm as suas casas e negócios no Zango, mas que moram noutras zonas. Há um ano perdeu este trabalho e por isso voltou ao bairro Walale, onde continua a apostar no trabalho do campo cultivando a sua lavra.
Por sua vez, a anciã Bernarda Tchavita mora no Walale desde 1979, quando veio de Malange. Sempre trabalhou nas suas lavras e cuidou dos seus cinco filhos com o que produzia. A maior preocupação da anciã está nos conflitos de terra na zona, que começou a fazer parte das suas vidas.
“Sempre vivemos aqui tranquilamente, cuidamos dos nossos filhos tranquilamente, agora que não estamos sozinhos, temos que estar sempre atentos com os invasores das nossas terras, pessoas estranhas que vêm receber as nossas lavras para construir casas. Uns vêm mesmo para comprar e outros vêm à força”, desabafou.
Outra moradora do Walale que falou à nossa reportagem é Emaculada Cassinda, de 32 anos de idade, mãe de cinco filhos e vendedora na praça. O marido é segurança de uma empresa privada. Contou que o Zango era tranquilo, o que deixou de ser com o crescimento habitacional e não acumulava águas das chuvas.
“Hoje quando chove o bairro fica alagado com águas paradas durante muitos dias”, descreveu o seu bairro Walale e acrescentou que o Zango todo está deste modo.
Foi exactamente o que constatamos ao longo da reportagem. Poças de água das chuvas ao longos das artérias dos Zangos I e II no dia 2 de Janeiro de 2025 na sequência de chuvas que se registaram em toda a extensão da capital angolana e arredores. Constatamos ainda que o acesso aos bairros periféricos Sembele, Walale, Boa Esperança, Muxima Moxi e Santa Paciência faz-se com muitas dificuldades devido à precariedade das ruas esburacadas pelas chuvas e passagens de viaturas de grande porte de empresas de construção instaladas nos arredores.
As infra-estruturas sociais, como escolas e hospitais, estão somente em algumas zonas do Zango, nomeadamente nos Zangos I, II, III, onde foram construídas casas no âmbito do projecto habitacional de realojamento dos moradores da Boavista e outros bairros. Nos bairros Walale, Sembele, Moxima Moxi e Santa Paciência a maioria das escolas são privadas. Na saúde, existem alguns postos médicos públicos, mas, à igualdade do que ocorre com a edução, o serviço é prestado principalmente por clínicas privadas. Não tem sequer um posto de registo e identificação civil nos referidos bairros, obrigando os moradores a deslocarem-se aos serviços de notários no Zango III e IV.

Gilson Salussi
Para o politólogo Gilson Salussi, parte das soluções ou, senão mesmo, a solução para todos os problemas apontados sobre a realidade do Zango será encontrada com a realização das autarquias locais, de forma a garantir a maior aproximação entre os munícipes com aqueles que venham a exercer o poder de gestão da coisa pública, tendo em conta a vontade dos eleitores de cada autarquia e assim, acrescentou, elevaria ainda mais o nível da participação dos cidadãos, sendo os únicos capazes de garantir a sua própria felicidade de forma singular e que venham a ser reflectidas na vida colectiva.